Eduardo
Morello
Ulisses aparece nas
obras a Ilíada e Odisseia de autoria
atribuída a Homero, o qual teria sido responsável em “salvar” do esquecimento
um das primeiras heranças culturais do ocidente: os mitos. A Ilíada narra os primórdios da Guerra de
Tróia e os anos seguintes dessa épica guerra, onde se destacam os heróis gregos
Aquiles e Ulisses. Já a Odisseia
seguem os anos posteriores a essa guerra, narrando a viagem de Ulisses de volta
para a sua casa, em Ítaca. Em meio a viagem de volta, Ulisses acaba sendo
aprisionado na ilha paradisíaca da encantadora Calipso (uma divindade
secundária), que se apaixona loucamente por ele, tornando-se sua amante.
Contudo, o herói grego, está decidido a voltar para a casa, principalmente,
para a sua esposa e filhos. Porém, Calipso não quer, de forma alguma, que seu
amante a deixe, de modo a usar vários artifícios, mas sem obter sucesso.
Apaixonada, ela tentará uma última cartada: oferecer a Ulisses algo que não é
possível a nenhum mortal e, ao mesmo tempo, irrecusável, a saber, a
imortalidade. Todavia, a imortalidade não basta. É preciso garantir a juventude
do seu amado. Caso contrário, poderia acontecer algo semelhante à deusa Aurora.
Ela também teria se apaixonado por um mortal, chamado de Tithonus. Em suplica a
Zeus (deus supremo) pedira a imortalidade para o seu amado. Porém, esquecera-se
de solicitar algo fundamental, a juventude. Os anos foram passando e o pobre
Tithonus fora sofrendo do processo natural de envelhecimento, secando e
enrugando-se agudamente, a ponto de tornar-se uma espécie de crosta velha.
Aurora acabou por deixá-lo em um canto do palácio até resolver transformá-lo em
um inseto, livrando-se, definitivamente, dele.
De volta a Ulisses, ele
não aceitou a imortalidade, aliada a juventude e a beleza – o que a maioria das
pessoas aceitaria sem pestanejar –, pois era melhor ter uma vida “bem-sucedida”
como um mortal, ao lado de sua família, do que uma vida fracassada enquanto um
imortal, ao lado de sua amante. A vida “bem-sucedida” de Ulisses era a
“excelência”, a vida virtuosa e heroica. Desta forma, ele é um “exemplar
singular” de ser humano, porque, além de um herói virtuoso, fora capaz de não
aceitar a oferta de Calipso, tornando-se mais tarde, verdadeiramente, imortal
na memória do seu povo e de todas as gerações passadas e futuras, em razão, de
suas palavras, feitos e ações. Tal recusa não seria fácil a qualquer mortal,
mesmo que esse mortal fosse Ulisses. Isto porque, faz parte dos mortais os
anseios, desejos e medos em relação a tríade beleza-juventude-e-imortalidade.
Neste sentido, os mitos
são uma primeira forma de dar significado ao mundo, em particular, aos anseios,
desejos e medos humanos. Contudo, é preciso esclarecer que eles não são
sinônimos de “mentira”, nem tampouco são contos, lendas ou folclore. Os mitos
são, sobretudo, narrativas que buscam
responder aos anseios, desejos e medos humanos. Contudo, cabe perguntar: Qual o
sentido dos mitos hoje?
Por outro lado, a
imortalidade não seria desejada sem que fosse a ela aliada a beleza e a
juventude, pois ninguém gostaria de acabar como Tithonus! Mas também se deseja
a imortalidade, devido ao medo que se tem da morte, a qual faz parte da
condição humana, da mesma forma que o nascimento. A morte, por sua vez, se opõe
a beleza e a juventude, uma vez que ela põe fim a ambas. Esse fim é anunciado
pela velhice. A velhice parece causar ainda mais medo nas pessoas, não só por
aproximá-las, inevitavelmente, da morte, senão também por estar associada hoje
a “rugas”, a “falta de vigor”, a “impotência”, ao “esquecimento”, ao “feio”. Então,
para retardar a velhice e “escapar da morte”, a publicidade dos produtos de
beleza convence, diariamente, as pessoas a consumirem esses produtos, pois
abaixo da superfície da pele haveria uma camada básica de renovação. Sobre isso,
escreve o filósofo francês Roland Barthes:
“Toda publicidade dos produtos de beleza se fundamenta, também numa espécie de representação épica do íntimo […] Paradoxalmente, é na medida em que a pele, antes de mais nada, é superfície, mas superfície viva, portanto, mortal suscetível de secar e envelhecer, que se impõe facilmente como sendo tributária de raízes profundas, daquilo que certos produtos chamam de a camada básica de renovação” (BARTHES, 2001, p. 58).
Sendo assim, os “mitos
hoje”, ao contrário, dos mitos gregos do passado, não conduzem a reflexão sobre
questões relacionadas à tríade beleza-juventude-e-imortalidade. Tampouco se
fazem críticos aos modos pelos quais se deve ou não buscar essa tríade. Eles
apenas conduzem as pessoas para um mundo sem contradições, de uma clareza
feliz, sem profundidade, um mundo de consumo, de modo a anular o sentido humano
presente nos mitos. Assim, as pessoas acabam preferindo permanecer nas ilhas
paradisíacas da encantadora “deusa” da Publicidade dos produtos de beleza do
que voltar para “casa”!